quarta-feira, 15 de junho de 2011

O Deus Da Gastronomia (Entrevista)


Alain Ducasse: “O talento é 5% da boa cozinha.
O maior chef do mundo diz que a técnica é a base da gastronomia, prega a superioridade culinária francesa e promete abrir um restaurante no Brasil

Maurício Meireles
ENTREVISTA - ALAIN DUCASSE

Quem é: Alain Ducasse, francês, 55 anos, é considerado o maior chef do mundo.

O que fez: Foi o primeiro a conseguir três estrelas no Guia Michelin, a principal publicação de gastronomia. 
O Que Tem: Dono de 30 restaurantes com seu nome e de uma escola de formação de  jovens profissionais, Ducasse falou a ÉPOCA na terça-feira passada. Estava hospedado em Copacabana com vista para o mar. Dali, seguiria para São Paulo. Com um sorriso permanente e silêncios longos entre uma frase e outra, o homem que já se descreveu como “o Fred Astaire da gastronomia” – pela coragem de inovar e correr riscos – deu a ÉPOCA a seguinte entrevista:
 
ÉPOCA – Com a popularização da culinária internacional, a hegemonia francesa não está ameaçada?
  • Alain Ducasse – De jeito nenhum. É verdade que a concorrência aumentou, mas nossa influência ainda é grande. Fomos os primeiros a fazer alta gastronomia, temos mais experiência.  

ÉPOCA – Por que o senhor se afastou da cozinha?
  • Ducasse – Mas eu não me afastei.  

ÉPOCA – Mas o senhor tem restaurantes demais para poder ficar no fogão, não? É correto dizer que o senhor deixou de ser um chef para virar um homem de negócios?
  • Ducasse – Colaboradores que me ajudam a cuidar dos negócios. Posso substituir qualquer um dos meus chefs amanhã de manhã, se precisar. E ainda assim agradar a meus clientes. A diferença é que eles estão todo dia na cozinha, na prática diária.

ÉPOCA – Mas cozinhar é uma atividade aperfeiçoada pela prática. O senhor não tem um chef hoje que execute suas receitas melhor que o senhor?
  • Ducasse – Sim, meus chefs são melhores do que eu na execução. Digamos que eu seja um treinador. Obviamente, os jogadores jogam melhor que eu, porque jogam todo dia. Para formar uma equipe dessas, só com tempo e treinamento mesmo. Faz 25 anos que comecei a montar essa equipe. Meus colaboradores estão comigo desde 1977.
 

ÉPOCA – Em Nova York, o senhor foi muito criticado por cobrar preços altíssimos. Há um limite de preço ou os americanos não estão preparados para apreciar a alta gastronomia?
  • Ducasse – Sim, estão preparados. O engraçado é que nunca vi ninguém reclamar dos preços da alta-costura. Somos como eles, são os mesmos parâmetros. Temos custos com a formação da equipe, a escolha dos melhores ingredientes e uma preocupação grande em criar um ambiente agradável para degustar a comida.
 

ÉPOCA – O senhor é a favor do uso da alta tecnologia na cozinha?
  • Ducasse – Com certeza, mas como complemento. É uma assistência técnica ao cozinheiro. Ele precisa dominar essa técnica, mas sem depender dela. Um chef não pode ser escravo da tecnologia. Eu Não faço a mesma comida em Tóquio, Londres e Mônaco. Em cada lugar há um ajuste. Precisamos compreender o local.
 
ÉPOCA – Se o senhor tivesse de descrever sua cozinha hoje, o que diria?
  • Ducasse – É uma cozinha em que se come por US$ 10 a US$ 400. Independentemente do restaurante que você visitar, pode esperar atenção aos ingredientes e ao sabor original de cada produto. Eles são preparados, temperados e condimentados corretamente, com atenção para a estação de cada um. Todos os consumidores do mundo terão um prazer imediato. Não faço uma cozinha para a elite, mas para os amadores curiosos que querem se alimentar bem. Minha cozinha tem várias categorias. Faço a adaptação necessária em função do país e do preço. Não quero impor nada, mas propor. Sou modesto. Minha cozinha é uma proposta respeitosa, com o DNA da cozinha francesa, mas adaptada ao local.
 
ÉPOCA – Na gastronomia francesa há o estereótipo de um chef bravo, temido pela equipe. Como é o ambiente de sua cozinha?
  • Ducasse – Em uma cozinha, temos um grande rigor na organização, seja com cinco ou 100 pessoas. Em Paris eu tenho 100, em Mônaco a mesma coisa. No meu bistrô, são sete. Mas o rigor e a disciplina se aplicam da mesma forma. Há uma hierarquia que tem de ser respeitada.

ÉPOCA – O senhor já invejou algum chefe?
  • Ducasse – Todos que são melhores do que eu. Mas os observo e espero alcançá-los.  


ÉPOCA – Algum ingrediente não entra em sua cozinha?
  • Ducasse – Acho que a canela é o único ingrediente de que eu não gosto. Ela é usada excessivamente, e só gosto de sentir seu cheiro de forma muito delicada. 

ÉPOCA – O senhor dá muita ênfase à escolha dos ingredientes?
  • Ducasse – Naturalmente. Em qualquer lugar do mundo, essa é a base da minha cozinha. Vou resumir para ficar claro: 60% da boa gastronomia é a escolha do produto, 35% o bom domínio profissional e 5% talento. E não se tem talento todos os dias. Se você tiver os 95%, já é ótimo. O talento é a pincelada final.  

ÉPOCA – A alta gastronomia é muito influenciada pela culinária europeia. Como podemos ter uma escola de gastronomia no Brasil se não temos acesso aos mesmos ingredientes que os europeus?
  • Ducasse – Dos ingredientes, temos de aprender a técnica. E ela se aplica a produtos brasileiros, africanos ou asiáticos. A forma de cortar, temperar, cozinhar – tudo isso é crucial. Os produtos são locais, mas a técnica é universal. Ensinar isso aos mais jovens é uma das minhas maiores ambi-ções.  

ÉPOCA – O que o senhor observa ao ver um jovem chef trabalhando?
  • Ducasse – Os olhos. Busco ver se há paixão. Sem ela, não se pode ir longe.

ÉPOCA – Com restaurantes em tantos lugares do mundo, como agradar a públicos tão diferentes?
  • Ducasse – Fácil. Antes de abrir o restaurante, temos a necessidade de compreender o que existe no local. Precisamos saber o que podemos oferecer àquele país e a que preço. Precisamos de um bom designer, um bom chef e uma ótima compreensão do gosto local. Não faço a mesma comida em Tóquio, Londres e Mônaco. Em cada lugar há um ajuste.  
ÉPOCA – O senhor gosta de algum restaurante ou chef brasileiro?

  • Ducasse – Gosto, mas nunca dou nomes (risos). Seria injustiça falar de um só. Não sei nem dizer qual dos meus restaurantes é o meu preferido, que dirá dos chefs brasileiros.
ÉPOCA – O senhor ainda não tem um restaurante no Brasil. Faltam profissionais qualificados?

  • Ducasse – Eu vou abrir um restaurante no Brasil. Com certeza.   

ÉPOCA – Quando e onde?
  • Ducasse – Isso eu não vou dizer. Não faltam profissionais qualificados aqui nem público. E haverá muitos mais, como frutos da nossa parceria (com a Universidade Estácio de Sá). Este é o grande país da América Latina.

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