quinta-feira, 23 de junho de 2011

Entrevista Hervé This

Mais da metade de seus 53 anos de vida foram dedicados ao estudo da ciência da gastronomia.
 
Apesar de conhecido e renomado nas cozinhas do mundo todo, Hervé This não se diz cozinheiro, mas cientista. Para ele, os chefs de cozinha são grandes “aliados” em seu objetivo de difundir conhecimento. Grandes nomes como Ferran Adriá, do El Bulli, se tornaram discípulos de seu trabalho e ele não nega que gosta disso. Mas insiste, seu interesse é ciência. Entre suas criações científicas está o mousse de chocolate sem ovos, um campo elétrico que melhora o cozimento do salmão, e um metro cúbico de claras em neve produzido a partir de apenas um ovo. Ao lado de Pierre Gagnaire procura difundir a idéia de construtivismo culinário. Em 2007, visitou o Brasil pela primeira vez e se encantou com a culinária bem brasileira da chef Mara Salles.
 
Durante sua visita ao Brasil, houve algum prato que chamou sua atenção?
  • Muitos! Em particular, tivemos refeições extraordinárias com Mara Salles*, mas também com Alex Atala, que depois me mandou um email tão maravilhoso que o guardo. As frutas, é claro, são maravilhosas, assim como muitas plantas _ e nós descobrimos muitas delas com Alex. No mercado, nós comemos um sanduíche de salame muito engraçado. Eu achei bem interessante porque estava trabalhando com “construção de pratos”. Os odores, sabores, consistências... tudo tão diferente!
 
Mara Salles chef e pesquisadora de cozinha brasileira que ressalta a importância de resgatar as origens da culinária nacional. Qual foi sua impressão com relação a comida e ao país?
  • Posso dizer que também havia muitas pessoas passando fome? Em São Paulo as pessoas nas favelas são terrivelmente pobres. E elas são parte do país. Durante nossa viagem pela costa, nós pudemos ver pessoas em fazendas tentando vender bananas. Eu deduzo que elas cozinham de uma forma bem rudimentar. Por outro lado, nós comemos um prato maravilhoso em um mercado e principalmente aquelas refeições com Mara (Salles).
 
Você se lembra de algum desses pratos da Mara Salles que comeu durante sua visita? Por quê essas refeições foram tão especiais para você?
  • Mara fez tantos que eu não consigo te falar todos eles, mas em particular ela passou alguns dias preparando uma feijoada extraordinária! Eles foram especiais, porque foram feitos com amor.
 
Você influenciou o trabalho do chef Ferran Adrià e outros. Como se sente sendo inspiração para uma geração inteira de novos chefs?
  • Eu tento não pensar nisso e considerar apenas o futuro. É verdade que em uma reunião do Madrid Fusion, Ferran Adrià me pediu para levantar em frente a milhares de chefs e disse: “Hervé, nós somos seus filhos”. Mas, de fato, eu estou mais interessado em ciência do que em comida. Gastronomia molecular é ciência, e eu posso te dizer que recentemente um dos maiores prazeres da minha vida foi quando Jean Marie Lehn, prêmio Nobel em química, me disse que o que eu faço é maravilhoso! Imagine: um garoto de escola como eu sendo “coroado” por um rei como Jean Marie Lehn! Na verdade, eu estou brincando, porque Jean Marie é um grande amigo meu, mas a história é verdadeira. E apenas minha opinião pessoal sobre meu trabalho conta para mim. E essa opinião é que eu deveria fazer melhor, eu tenho que melhorar. Eu tenho que ser mais esperto.
 
Por quê mais esperto?
  • Por exemplo, recentemente, enquanto eu estava escrevendo um grande artigo para um importante jornal de química, eu percebi que o programa científico de estudos experimentais que eu tinha estava perdendo o foco: eu estava estudando fenômenos importantes, mas sem reconhecer sua importância! É claro que eu mudei imediatamente, para grande surpresa de toda a equipe do laboratório. Outro exemplo, recentemente, eu percebi que na ciência, qualquer resultado experimental seria mais apreciado e compreendido se fosse considerado um caso particular de um caso geral que você tem que encontrar.
 
Certa vez você comentou que está mais interessado em pessoas que cozinham em casa do que em chefs. Você acha que a gastronomia molecular pode ser aplicada na rotina diária? Não acha que isso ainda é muito distante da realidade de pessoas comuns?
  • Sim, é verdade que há bilhões de pessoas que cozinham diariamente, e a ciência é primeiramente para eles. Mas eles não querem o resultado da ciência. E é por isso que os chefs são meus aliados, ou digamos assim, meus embaixadores. Na França, nós introduzimos algumas atividades moleculares nas escolas, para todas as crianças. Existe uma nova perspectiva de que meus “Ateliers expérimentaux du goût” estejam em todas as escolas da Europa. De amigos brasileiros, eu ouvi que essas atividades são feitas em favelas do Rio de Janeiro, e fiquei muito feliz.
 
Você pode falar um pouco mais sobre os “Ateliers expérimentaux du goût” e como eles funcionam?
  • Essas sessões são feitas com ferramentas bem baratas, para que as crianças possam entender tanto a ciência quanto a cozinha juntas, mas não só isso: conhecimento é o objetivo principal. Por exemplo, no primeiro deles (eles são feitos online), crianças de seis anos estão fazendo um metro cúbico de clara de ovo com apenas um ovo, e eles aprendem porque fica firme e branco. Em outra sessão, sobre chocolate, eles aprendem porque é um desperdício usar ovos para fazer um mousse de chocolate.
 

Nikolas Kurti, físico húngaro autor da frase "É preocupante que se saiba mais sobre a temperatura no interior das estrelas do que sobre a temperatua no interior de um prato de soufflé".

 

















Você concorda que é o Pai da gastronomia molecular? Por quê?
  • Eu não discordo. De fato, eu sou um dos dois pais da gastronomia molecular, com meu grande amigo Nicolas Kurti (1908-1998).
 
O trabalho de quem mais você considera relevante para a gastronomia molecular no mundo?
  • Cada vez mais pessoas. Erik van der Linden está ensinando gastronomia molecular na Holanda. Um químico de Nova York está com programas na Universidade de Nova York (NYU). Há também pessoas na Dinamarca, Reino Unido, Irlanda, Portugal... E mais e mais países. Tantas pessoas, realmente, que eu estou planejando uma reunião para todas elas em janeiro.
 
E no Brasil? Algum nome vem a sua mente?
  • Não, não no momento, mas durante minha visita tive contato com pessoas da Universidade de Agronomia de São Paulo. Ah, e eu esqueci: no meu último Curso de Gastronomia Molecular, em janeiro, houveram dois cientistas brasileiros que vieram dar palestras. Eu não lembro o nome deles. E bem recentemente, eu recebi um convite de pessoas no Paraná : uma senhora era professora de ciência, e ela me disse que estava usando meus livros nas suas aulas na universidade.
 
O que você tem a dizer para as pessoas que pensam que comida molecular não é comida de verdade?
  • Nunca tente persuadir alguém que não queira ser persuadido : você vai perder seu tempo!
 
Como você imagina a gastronomia daqui a 50 anos? Acha que muita coisa terá mudado?
  • Eu espero que o ‘‘Construtivismo culinário’’ - idéia de que a técnica culinária está sempre em evolução - esteja lá e também “Cooking note by note’’ (cozinhando com moléculas). Eu sei que podem haver mudanças importantes enquanto os preços da energia estão subindo, porcausa da falta de óleo, mas as pessoas vão se adaptar. Assim como se adaptaram aos riscos da doença da vaca louca na gelatina: elas mudaram para outros agentes gelatinosos, que eu estava propondo em vão por décadas. Se o clima estiver em risco devido aos nossos métodos, em particular métodos culinários, isso será uma ajuda para mim, na luta por mais racionalidade na cozinha.