NÃO É MAGIA, É CIÊNCIA
Porque se batem teimosamente as claras e não ficam em castelo? Porque é uma musse de chocolate mais cremosa do que outra? Porque azeda o vinho ou porque combina melhor com uns pratos do que com outros? Estas e outras questões do nosso quotidiano constituem motivo de estudo da Gastronomia Molecular, um ramo das ciências que trata dos alimentos. Cientistas aliam-se a Chefes de Cozinha e a parceria dá frutos preciosos para aperfeiçoar criações e para antever a reacção entre os alimentos. Os Chefes de Cozinha portugueses já estão a despertar para esta gastronomia do futuro.
Artigo elaborado com a colaboração de Dr.a Paulina Mata*
Cozinhar tem sido considerado uma arte e um acto criativo baseado na intuição. Contudo tal visão começa a mudar e a sentir-se a necessidade de uma aproximação mais científica. Este processo está ainda na fase inicial, mas os resultados permitem antever consequências importantes na cozinha num futuro próximo.
O movimento que deu origem ao ramo das ciências chamado 'Gastronomia Molecular' teve início em 1988 quando um físico da Universidade de Oxford, Nicholas Kurt, e um químico francês, Hervé This, iniciaram uma colaboração com o objectivo de estudar os processos químicos e físicos que ocorriam durante o aparentemente acto banal de cozinhar. Tal veio mostrar que muitos dos truques de cozinha, resultantes de uma aproximação empírica ao longo de séculos, podiam ser explicados cientificamente com base na composição dos alimentos e alterações físicas e químicas que ocorriam na sua preparação.
A este ramo da ciência dos alimentos chamaram, como referido, 'Gastronomia Molecular' cujo objectivo principal é a aplicação de princípios científicos para a compreensão do processos envolvidos na preparação dos alimentos nas cozinhas domésticas ou de restaurantes. Por exemplo, procurando através da investigação avaliar a validade de dicas e truques de cozinha ou mesmo os aspectos bioquímicos do prazer sentido quando se saboreia um bom prato. A Gastronomia Molecular distingue-se das ciências alimentares tradicionais pois o objecto de estudo são as preparações de alimentos em pequena escala e não em grande escala (industriais). Mas, mais do que isto, a Gastronomia Molecular trata a alimentação como um todo: dos ingredientes crus, passando pela sua preparação e finalmente da forma como são apreciados pelo consumidor. É, portanto, um assunto fortemente interdisciplinar envolvendo a física, a química, a biologia e a bioquímica, mas também a fisiologia e a psicologia.
Os desenvolvimentos alcançados pela Gastronomia Molecular podem ainda ser usados para o desenvolvimento de novas técnicas culinárias, introdução de novos ingredientes ou equipamentos ou ainda na “invenção” de novos pratos, permitindo um processo criativo mais elaborado e sofisticado. Estes são exemplos de aplicações tecnológicas da Gastronomia Molecular.
O trabalho desenvolvido por Hervé This despertou o interesse de outros cientistas e Chefes de Cozinha. Outros grupos de investigação surgiram noutras partes do mundo e alguns dos Chefes mais em voga actualmente, como é o caso de Ferran Adriá em Espanha, Pierre Gagnaire, em França, ou Heston Blumenthal, no Reino Unido, reconhecem a importância desta aproximação científica da cozinha e a necessidade de colaboração com cientistas de forma a optimizar resultados e como suporte fundamental para o respectivo processo criativo.
Também em Portugal um grupo de cientistas se tem interessado pela Gastronomia Molecular, inicialmente em colaboração com a Agência 'Ciência Viva', como um veículo de promoção do interesse e gosto pela ciência e de divulgação científica para ajudar o grande público a compreender como a ciência está presente no quotidiano e contribui para o bem-estar na sociedade. Posteriormente, dado o interesse manifestado por profissionais, realizaram-se acções de formação sobre as técnicas mais recentes usadas na cozinha, em colaboração com o Instituto Superior de Agronomia. Alguns Chefes portugueses mostram-se particularmente entusiastas, como é o caso de Ljubomir Stanisic do restaurante '100 Maneiras', em Cascais.
Considerado o 'pai' da 'Gastronomia Molecular', físico-químico INRA (Instituto Nacional francês para Pesquisa Agronómica), ligado à Direcção Científica da 'Nutrição Humana e Segurança dos Alimentos' e Conselheiro Científico da revista francesa 'Pour La Science', Hervé This visitou Portugal no âmbito de uma iniciativa europeia, uma reunião dos parceiros do projceto europeu INICON (Introduction of innovative Technologies in modern Gastronomy for modernization of Cooking), no qual participa 'Cosmosaromatica', empresa de criação de aromas sitiada em Espanha, mas também a portuguesa 'Iberagar', produtora de agar-agar, um derivado de algas.
À conversa com www.chefesdecozinha.com, Hervé This explica que 'qualquer cozinha do mundo pode beneficiar da aplicação da gastronomia molecular e a portuguesa não é excepção', tendo, no entanto, apenas experimentado a cozinha portuguesa em restaurantes em Paris, revelando que achou tudo 'muito saboroso'. Hervé This fala 'da necessidade mundial de recolha de precisões culinárias, uma tarefa que se impõe em todos os países'. Sem este saber muito se perderá. É urgente que os gastrónomos moleculares, associados a etnologias da cozinha, por exemplo, façam este trabalho de recolha e depois o teste experimental.
A cozinha portuguesa, por exemplo, beneficiará deste acto, tecnicamente, e a cultura portuguesa sairá enaltecida.' Hervé This fala da Gastronomia Molecular como uma ciência para todos e não apenas para dos Chefes de Cozinha.'Tomemos o exemplo das emulsões: se elas falham por vezes, a compreensão dos porquês das falhas só pode melhorar as coisas, seja em França, em Portugal, na Argentina, na China, pouco importa.' Internacionalmente, começando o fenómeno agora também em Portugal, a Gastronomia Molecular tornou-se praticamente uma moda, mas convém esclarecer que este processo não é senão o conhecimento da ciência aplicado à gastronomia com toda a segurança e sem manipulações. 'Há uma distinção subtil entre a química e a Gastronomia Molecular, que faz com que os industriais do ramo alimentar, por exemplo, recusem associar-se à química, mas colocam-se sob a bandeira da Gastronomia Molecular. Vi o patrão de uma grande multinacional de alimentação fazer uma conferência num ciclo de 'Gastronomia Molecular'.
Os estudantes também preferem a Gastronomia Molecular à química, no mundo inteiro muitos países criaram, em consequência, cursos de Gastronomia Molecular nas Universidades: Austrália, Alemanha, Espanha, Itália e, claro, a França, onde dou cursos há mais de dez anos. O método mais na moda, este ano, são as aplicações do gelado com azoto líquido, mas já o apresentei na televisão francesa há mais de quinze anos.As coisas demoram muito tempo a evoluir.
O Chefe de Cozinha com o qual Hervé This costuma trabalhar mais é Pierre Gagnaire, amigo intimo. 'Dou-lhe uma ideia por mês, que colocamos no site www.pierre-gagnaire.com, rubrica 'Science et Cuisine' (Ciência e Cozinha) e, em troca, ele cria entre um a quatro pratos, utilizando esta ideia da qual divulga a receita no site dele. Também trabalho com os Chefes Emile Jung, Heston Blumenthal, Ferran Adriá que foi o primeiro a utilizar o que eu publicava. E esqueço-me de muitos: Philippe Conticini, Pierre Hermé, Christine Ferber, Christian Conticini...' Hervé This também cozinha em casa, todos os dias, desde a idade dos seis anos. 'Tenho mais de 1.200 livros de cozinha antigos e modernos, li-os todos com o lápis na mão...e tenho alguns bons mestres: Pierre Gagnaire, Emile Jung, Philippe Conticini...' Ferran Adriá juntamente com Christian Conticini que estava à frente do restaurante 'Table de Anvers' e que é 'um Chefe de Cozinha notável', foram dos primeiros a utilizar as publicações do físico This. 'Ferran diverte-se muito e conseguiu criar em Espanha um movimento de entusiastas, beneficiou, a nível mundial, do antagonismo USA/França, com o artigo de Arthur Lubow que escreveu no New York Times, que dizia a cozinha francesa estava morta e que Ferran era o maior Chefe de Cozinha do Mundo.ng, Heston Blumenthal, Ferran Adriá que foi o primeiro a utilizar o que eu publicava. E esqueço-me de muitos: Philippe Conticini, Pierre Hermé, Christine Ferber, Christian Conticini...' Hervé This também cozinha em casa, todos os dias, desde a idade dos seis anos. 'Tenho mais de 1.200 livros de cozinha antigos e modernos, li-os todos com o lápis na mão...e tenho alguns bons mestres: Pierre Gagnaire, Emile Jung, Philippe Conticini...'
Ferran Adriá juntamente com Christian Conticini que estava à frente do restaurante 'Table de Anvers' e que é 'um Chefe de Cozinha notável', foram dos primeiros a utilizar as publicações do físico This. 'Ferran diverte-se muito e conseguiu criar em Espanha um movimento de entusiastas, beneficiou, a nível mundial, do antagonismo USA/França, com o artigo de Arthur Lubow que escreveu no New York Times, que dizia a cozinha francesa estava morta e que Ferran era o maior Chefe de Cozinha do Mundo.
Ferran Adriá juntamente com Christian Conticini que estava à frente do restaurante 'Table de Anvers' e que é 'um Chefe de Cozinha notável', foram dos primeiros a utilizar as publicações do físico This. 'Ferran diverte-se muito e conseguiu criar em Espanha um movimento de entusiastas, beneficiou, a nível mundial, do antagonismo USA/França, com o artigo de Arthur Lubow que escreveu no New York Times, que dizia a cozinha francesa estava morta e que Ferran era o maior Chefe de Cozinha do Mundo.
É naturalmente falso porque se temos um Ferran Adrià em Espanha, só em Paris temos um Pierre Gagnaire, Alain Sanderens, Passart, Dutournier, Pacaud e, na província, temos Michel Bras, Regis Macon e mil e um outros que não cessam de fazer coisas maravilhosas. É mais fácil ver uma estrela única no céu...do que mil estrelas que aclaram a escuridão.Gosto muito de Ferran Adrià porque ele se diverte.A transferência tecnológica é divertida, mas a questão artística coloca-se, sendo eu próprio capaz de conseguir fazer um metro cúbico de claras em castelo com apenas uma clara de ovos: não sou um deslumbrado pelas inovações tecnológicas, apenas a arte me interessa. É por isso que fico muito contente de trabalhar diariamente com Pierre Gagnaire e Emile Jung. Não tenho férias há cinco anos e todo o laboratório não cessa de experimentar, mas atenção: a gastronomia molecular não é uma transferência tecnológica.
O que me interessa é a ciência porque ela é bem mais poderosa, porque me interessa o seu conhecimento.
Paulina da Mata, uma das impulsionadoras dos cursos de Gastronomia Molecular em Portugal, teve contacto com Hervé This e alerta para o seguinte: 'Geralmente, as pessoas associam a Gastronomia Molecular a um novo tipo de cozinha, mas não está completamente correcto.
A Gastronomia Molecular é uma ciência que estuda todas as preparações, incluindo as mais tradicionais. A algumas inovações introduzidas na cozinha, como resultado das aplicações da Gastronomia Molecular, a isto chama-se tecnologia. Basicamente, a ciência é compreender os porquês e como as coisas funcionam, tecnologia é usar os conhecimentos da ciência para resolver problemas. Hervé This gosta sempre de deixar clara a distinção entre ciência e tecnologia.'
Chegou-se a um ponto em que a gastronomia é uma ciência?
Hervé This cita:'A gastronomia é o conhecimento do ser humano através daquilo que ele come', escreveu Brillat Savarin. A Gastronomia Molecular é este estudo, mas do ponto de vista físico-químico. É uma ciência como a química. Ora a ciência é infinita porque as leis produzidas são sempre aproximativas. Imagine um modelo reduzido de um automóvel: não é um automóvel. Com uma lei científica passa-se o mesmo. Está, portanto, muito ainda por fazer.'
A química Paulina da Mata reforça este ponto de vista, esclarecendo que 'a química tem um dado objecto de estudo e métodos, com a Gastronomia Molecular acontece o mesmo. Sendo esta uma ciência fortemente interdisciplinar envolve outros ramos da ciência. Quando se fala de ciências como a física ou a química tudo parece demasiado abstracto e um pouco 'seco'. Com a Gastronomia Molecular tudo parece mais apelativo, o interesse por parte das pessoas é enorme e provavelmente a razão é o objecto de estudo ser a alimentação e, em particular, as preparações culinárias, assim como ter associada a palavra gastronomia.'
Como se explica perante estas inovações a saborosa cozinha das avós?
Hervé This diz que 'na realidade as avós não eram muito boas cozinheiras, mas o que elas nos davam não eram glúcidos, lípidos ou prótidos, era amor! O amor que o Chefe de Cozinha dá aos convivas é um dos assuntos de reflexão hoje em dia. Segundo a minha opinião há muito a fazer nesta área.'
Como é então a visão do futuro da cozinha tradicional, sobretudo para os franceses tão ciosos da cozinha deles?
A cozinha francesa é como uma casa que se herda do avô. Ela é maravilhosa (paredes grossas em pedra, portas em madeira massiça...), mas falta-lhe o conforto. Temos de conservar o que está bem e modificar o que deve ficar melhor. É um trabalho que está a decorrer há uns anos.
E depois a tradição é o quê?
O que se fazia há 200 anos, há 20 anos, há dois meses ou dois dias? Não, a tradição é aquilo que se transmite. E a cozinha francesa, contrariamente ao que se diz, sempre inovou. Acredito que a questão não é a técnica, mas a arte e a cultura. Há séculos que os franceses vivem para comer, ou melhor, têm a gastronomia como parte essencial da própria cultura. Ainda não mudou hoje e por isso está tudo bem.'